Em algum momento da última década, a modernidade decidiu que tudo que a gente amava precisava ser atualizado. Inclusive o bolinho da vovó. Aí surgiram versões assadas, sem glúten, com banana madura no lugar do açúcar, fritas em ar de drone dentro de uma air fryer de 900 reais. Tudo em nome da saúde, do déficit calórico e da vaidade que mora num pote de whey.
Mas deixa eu te contar um segredo: sua avó nem sabia o que era air fryer, e mesmo assim fez o melhor bolinho da sua vida.
A mentira crocante da modernidade
Vamos combinar: air fryer não frita, ela desidrata. O que ela entrega é um simulacro crocante de algo que um dia foi bom. Por isso o bolinho da vovó não pode ser feito na air fryer. Não tem o chiado da panela, não tem o cheiro que invade a casa, não tem a bagunça — e, sinceramente, às vezes a bagunça é parte da graça.
Fritura tem alma. Air fryer tem manual de instrução.
E antes que alguém diga “mas e o colesterol?”, eu respondo com outra pergunta: e a alegria de viver, como anda? Porque se a sua felicidade depende de um bolinho assado e seco, talvez o problema não seja o óleo — seja o vazio interior.
Fritura é afeto, não vilão
O cheiro da gordura esquentando no fogão era o anúncio oficial de que a tarde ia ser boa. Aquela fritura perfumada que entrava nas narinas, nos poros e na alma. Era paninho de prato estampado, rádio AM ligado e neto afoito roubando bolinho quente da peneira.
Bolinho da vovó não era saudável. Era sagrado.
Não tinha controle de porção, nem farinha de aveia. Tinha açúcar mesmo, tinha canela de verdade e uma massa que grudava na colher. Tinha carinho em forma de fritura. E tinha a melhor parte: a espera. Porque quem nunca queimou a língua tentando comer bolinho recém-frito nunca viveu de verdade.
O cheiro do bolinho da vovó
Lembro como se fosse ontem — mas foi antes do wi-fi, antes do delivery, antes da pressa. Era uma quarta-feira qualquer, daquelas que não prometem nada. Minha mãe tinha me largado na casa da minha avó pra “desafogar a tarde”, como ela dizia. Eu ainda era pequeno o suficiente pra me esconder debaixo da mesa e grande o suficiente pra roubar bolinho quente sem ser carregado no colo.
A cozinha dela era um santuário despretensioso: mesa de fórmica, panela com cabo de plástico rachado e um rádio chiando com a voz da Inezita Barroso. E aí vinha ele — o cheiro do bolinho da vovó.
Era como se o mundo parasse. A respiração desacelerava, o estômago começava a se preparar, e um sentimento de segurança invadia tudo. Fritura e aconchego. Açúcar e pertencimento. Canela e colo.
Hoje, às vezes o cheiro de óleo quente me acerta no mercado ou quando passo perto de um boteco, e eu quase choro. Não pelo bolinho da vovó em si — mas por tudo que ele carregava. Por aquela cozinha apertada, pela toalha de mesa encardida, por aquela mulher que me ensinou que amor se manifesta em coisas simples, como uma colher de pau mergulhada numa panela fervente.
Receita do caderno da vó: Bolinho de Chuva Clássico
25
bolinhos30
minutos?
não importa, viveBolinho da vovó do jeito certo: frito, açucarado e cheio de memória. Nada de air fryer — só colher de pau, cheiro de infância e respeito à tradição.
Ingredientes
2 ovos
1 xícara de açúcar
1 xícara de leite
2 e ½ xícaras de farinha de trigo
1 colher (sopa) de fermento em pó
1 pitada de sal
Óleo pra fritar
Açúcar e canela pra passar depois
Modo de Preparo
- Misture os ovos, o açúcar, o leite e o sal numa tigela até virar uma mistura homogênea.
- Adicione a farinha aos poucos, mexendo com uma colher de pau (de preferência uma que já tenha 20 anos de uso e um cheiro suspeito).
- Acrescente o fermento e mexa delicadamente.
- Esquente o óleo numa panela funda. Quando estiver quente, vá pingando a massa com uma colher.
- Frite até dourar. Retire com escumadeira e coloque no papel-toalha.
- Passe os bolinhos no açúcar com canela.
Notas
- Dica de vó:
Se sobrar, esquente no outro dia no forno. Mas é raro sobrar.
Recomendação de vídeo:
Se você é daqueles que adoram assistir a um vídeo pra fazer qualquer coisa eu separei esse vídeo do youtube com uma bela receita de bolinho que vale a pena ver:
BOLINHO DE CHUVA DA VOVÓ COM INGREDIENTE QUE DEIXA SEQUINHO E FOFO!
Conclusão
Quer comer bolinho com menos culpa? Vai fazer terapia. O bolinho da vovó não precisa da sua “versão fit”. Ele precisa só de óleo quente, açúcar e respeito.
Se você também foi criado a base de fritura e afeto, comenta aí sua lembrança mais gordurosa — e já aproveita pra visitar outras crônicas aqui no Monólogos do Arroz. Aqui a gente honra as avós, os bolinhos e a comida que te abraça — não que te dá sermão.